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  • Foto do escritorFrederico Aburachid

ESG: mercado financeiro e quebra de paradigma


A Agenda ESG (sigla em inglês de ambiental, social e governança) tornou-se pauta dos agentes do mercado financeiro. Embora o tema não seja recente, a emergência climática somada à crise sanitária global e à crescente onda de conflitos sociais, aceleraram a percepção de sua importância.

Segundo o Global Sustainable Investment Review 2020, o volume de investimentos sustentáveis globais superou US$ 35,3 trilhões nos cinco principais mercados analisados (Austrália, Canadá, Europa, Estados Unidos e Japão). Esse número corresponde a mais de 35% dos ativos financeiros sob gestão no mundo.


Nova pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, divulgada em 07/06/2022, visando a verificação do grau de incorporação do ESG pelas indústrias brasileiras, mostrou que 71% das entrevistadas adotam medidas sustentáveis como parte de sua estratégia corporativa.


Do ponto de vista dos investidores, há a crença leiga (e incorreta) de que as informações dos denominados “Formulários de Referência” (exigidos pelos reguladores) e dos reports tenham sido previamente fiscalizadas pelos órgãos de controle. Acredita-se inclusive que os gestores dos grandes Fundos de ativos tenham realizado a sua prévia análise, já que tem sido constantemente anunciados índices de sustentabilidade formados por empresas “sustentáveis” e a (re)alocação de recursos baseados justamente nesses documentos.


Além de outros desafios a superar, muitos investidores têm “adotado” os reguladores e os gestores dos fundos como se fossem “fiscais” dos fatores ambientais, sociais e de governança, o que não corresponde à realidade.


A despeito de sua relevância, verifica-se que o mercado ainda não está devidamente preparado para exigir e monitorar as boas práticas ESG. As limitações dos reports de sustentabilidade das companhias de capital aberto e dirigidos aos investidores são claros exemplos. Aludidos reports apresentam conteúdo inadequado, seja pela complexidade da matéria que deveriam traduzir ou mesmo pelo cipoal normativo existente.


O surgimento de fatos relevantes, estampados surpreendentemente no noticiário em relação às companhias de capital aberto, vem demonstrando que as ferramentas atualmente exigidas pelo mercado financeiro estão inadequadas. Os reports já nasceram “decrépitos”. Traduzem aparência de credibilidade para os leigos, layout bonito e acessível, mas não revelam o conteúdo mínimo necessário para o controle ideal das informações socioambientais e de governança corporativa relevantes.


Diante desse contexto, quais são as consequências? Discussões recorrentes sobre greenwashing (termo utilizado para maquiagem verde e propaganda enganosa), aparentemente “endossadas” pelos reguladores que, na verdade, nunca tiveram competência e habilidade na área ambiental para exigir, interpretar ou atestar a sustentabilidade das companhias. Aliás, sequer acesso à todas as informações necessárias lhes foi geralmente franqueado para exercerem tal controle.


O número de litígios pela prática de greenwashing aumenta a cada dia, gerando passivos e até mesmo a possível responsabilização de outros atores do mercado, como assessores, gestores de fundos, dentre outros.


No Brasil, há um complexo sistema de garantias dos interesses difusos e coletivos, vedando práticas relacionadas ao greenwashing com base, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, este último editado pelo CONAR.


Observe-se que aludidas normas são direcionadas para o ciclo sustentável de vida dos produtos, sua qualidade e destinação final, assim como para a publicidade dirigida ao mercado consumidor. Não são regras próprias do mercado financeiro, todavia, conforme o caso, devem ser aplicadas nas relações com investidores, pois alcançam a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais.

Outro importante ato normativo é a Lei nº 13.303, de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.


De acordo com o artigo 8º da Lei nº 13.303/16, as empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão observar, dentre outros requisitos de transparência, a divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade, apresentar informações referentes aos fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração etc. Trata-se de importante marco legal atrelado à governança corporativa das empresas públicas e sociedades de economia mista, repercutindo de forma importante no mercado.


No que tange propriamente às normas do mercado de valores mobiliários, a CVM editou inicialmente a Instrução nº 480, em 2009, sucessivamente alterada pelas Instruções nº 552, de 2014, 586, de 2017, e, mais recentemente, através da Resolução CVM nº 59, de 2021 (Republicada pela Resolução nº 87/2022).


Os atos normativos da CVM obrigam as companhias abertas (‘Categoria A’) a divulgarem informações sobre a aplicação das práticas de governança previstas no Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas (CBGC), seguindo o modelo “pratique ou explique”, através do qual as companhias que não sigam as diretrizes do CBGC, devem esclarecer a razão de não o fazerem.


De acordo com as alterações introduzidas pela nova Resolução CVM nº 59/2021, o Formulário de Referência deverá contemplar, dentre outras informações, as seguintes: a) informar o tipo de relatório utilizado para divulgação de informações ESG, metodologia ou padrões seguidos; b) se as informações do relatório foram objeto de auditoria ou revisadas; c) se a empresa contempla os ODS’s da ONU; d) se são observadas as recomendações do TCFD ou de outras entidades reconhecidas na área climática; d) se é realizado inventário de emissões de gases de efeito estufa, etc. Aplica-se o mesmo conceito “pratique ou explique”, como já vinha sendo adotado em relação ao cumprimento das diretrizes do CBGC.


Já o Conselho Federal de Contabilidade aprovou, em 09/06/2022, por sua vez, uma nova resolução criando o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), com o apoio da CVM, SUSEP, BCB e PREVIC. O Comitê terá por finalidade o estudo, preparo e emissão de documentos técnicos sobre divulgação das práticas de sustentabilidade. O objetivo é justamente elaborar documentos técnicos a serem adotados pelos reguladores no Brasil e interagir inclusive com o International Sustainability Standards Board (ISSB), anunciado na COP-26.


Como se percebe, os movimentos dos reguladores e as normas atualmente vigentes evidenciam, sem dúvida, avanços importantes para melhorar a conscientização empresarial, o acesso pelos investidores aos dados, ampliar a transparência e o controle das informações relacionadas ao ESG. Todavia, são um ponto de partida ainda muito tímido em um processo a ser continuamente revisto.


O fato de uma companhia compor o índice de sustentabilidade (ISE) da B3, por exemplo, não deve continuar a ser traduzido por muitos como um atestado irretorquível de sustentabilidade, como se suas atividades tivessem sido verificadas pelos reguladores, ou mesmo se tal fato evidenciasse a inexistência de riscos ambientais. Os seus limites precisam ser claramente esclarecidos e divulgados, sob pena inclusive de responsabilização civil.


É necessário que o mercado brasileiro influencie efetivamente novas posturas, além de repercutir positivamente seu alinhamento às iniciativas de padronização adotadas por outros órgãos reguladores no contexto internacional, sob pena de encontrar óbices concretos nas suas relações comerciais e na atração de investidores.


Como se diz em Minas, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.” Toda essa transformação exige técnica, passando gradativamente pela modernização de procedimentos de avaliação dos atos normativos, adequação dos reports ao ideal de informação, capacitação dos agentes do mercado – muito além da educação financeira de viés neoclássico – e bastante transparência.


O mercado deverá revisitar, a seu tempo, os fundamentos da economia para se tornar realmente indutor da Agenda ESG, superando a concepção de gestão corporativa baseada preponderantemente nos aspectos financeiros. É necessário quebrar tal paradigma.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos. Diário Oficial da União: Brasília, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm. Acesso em: junho, 2022

BRASIL. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Resolução nº 59 de 22/12/2021. Altera a Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, e a Instrução CVM nº 481, de 17 de dezembro de 2009. Diário Oficial da União: Brasília, 2021. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol059.html. Acesso em: junho, 2022.

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA). A AGENDA ASG E O MERCADO DE CAPITAIS. Maio/2022. Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/a-agenda-asg-e-o-mercado-de-capitais.pdf. Acesso em: junho/2022.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. ESG e a indústria brasileira. Publicado em 06/2022. Disponível em https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/c9/e3/c9e3bc1f-b92a-4066-80cd-f5a5ed9c72de/ppt__consulta_esg_cni_3.pdf. Acesso em: junho/2022

GSIA. GLOBAL SUSTAINABLE INVESTMENT ALLIANCE: REVIEW 2020. Disponível em http://www.gsi-alliance.org/trendsreport-2020/ . Acesso em junho/2022.


Publicado pelo Instituto de Direito Ambiental em 02/08/2022. Fonte: https://direitoambiental.com.br/esg-mercado-financeiro-e-quebra-de-paradigma/

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