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  • Foto do escritorFrederico Aburachid

ECOCÍDIO - O novo tipo de crime contra a Humanidade e o Meio Ambiente



A guerra representa a derrota do diálogo. A vitória da descrença na humanidade. No final, nunca há vencedores. Não fosse o bastante, a história tristemente demonstra que os homens são capazes de praticar barbaridades ainda maiores que os conflitos armados, tais como os crimes de guerra, tipificados pela Quarta Convenção de Genebra (1949) para a proteção dos civis. Conforme essas Convenções e, de maneira especial, o Estatuto de Roma, um crime de guerra é, principal- mente, uma violação dos direitos humanos, sendo o genocídio um dos mais graves.

Na atualidade, com tantas ferramentas tecnológicas para facilitar a comunicação, é de estarrecer os diversos conflitos vividos. A mídia noticia com maior vigor o conflito entre Rússia e Ucrânia. Mas há também as vítimas no Iêmen, a guerra civil na Síria, a crise humanitária no Líbano (associada às frequentes explosões em seus centros urbanos, como a ocorrida no Porto de Beirute em 2020), a crise em Myanmar e Bangladesh, e a tensão nuclear envolvendo a Coreia do Norte, dentre outros.

Todos esses conflitos internacionais vão além de impactarem, dura e diretamente, as vidas humanas e territórios locais. Há inequívocas consequências indiretas e intergeracionais, que alcançam não apenas o contexto presente, mas projetam-se para o futuro e podem até mesmo macular o passado das nações. Seus impactos ambientais são extremamente significativos. São verdadeiros atentados à qualidade do ar, da água, do solo e clara destruição da biodiversidade. Ultrapassam as barreiras do tempo, comprometendo o equilíbrio ambiental, de forma planetária, em face também das gerações futuras.

Não é preciso ser especialista para concluir sobre aludidos impactos, mormente quando se está diante de uma guerra como a existente entre Rússia e Ucrânia. Seus impactos negativos são imensos e alguns até mesmo irreversíveis. Basta pensarmos na seguinte equação: o aumento da pressão por recursos naturais versus a total ausência de controle e gestão. Ou olharmos o cenário da guerra pela lente dos 17 ODS’s (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável aprovados pela ONU). Destaquem-se, ainda, à medida que as mudanças climáticas vão se tornando cada vez mais devastadoras, as grandes emissões de gases de efeito estufa, os poluentes lançados na atmosfera pelos incêndios, mísseis e bombas, e a alta demanda de energia para movimentar as máquinas de guerra com combustíveis fósseis.

Diante desse cenário, uma vez que o genocídio já está tipificado, levando os responsáveis a serem jul- gados e condenados, o que dizer do ecocídio? Um novo tipo de crime contra a humanidade e o meio ambiente, que vem sendo cunhado por diferentes especialistas com o propósito de que seja inserido no Estatuto de Roma. Essa é uma discussão extremamente complexa. Seja do ponto de vista técnico ou jurídico, a previsão de um novo crime, como o ecocídio, exigirá cautela das autoridades e dos órgãos internacionais para que não se perca na excessiva abstração e generalidade.

Cite-se, por exemplo, a mera hipótese de um acidente ambiental, causado por unidades produtivas regulares e socialmente benéficas. Embora os seus impactos possam ser significativos, as ações das quais decorre não devem se aproximar “cegamente” da natureza de um crime ambiental punível pela Corte Penal Internacional, levando até mesmo à vulgarização e total descrédito da lei.

A toda evidência, impactos ambientais decorren- tes de ações não dolosas (não intencionais), causa- dos por imperícia, negligência ou imprudência, as- sim como casos fortuitos ou força maior, mormente quando se refiram a questões meramente locais e internas de um país, não devem ter o condão, por si só, de provocar a reprimenda da lei penal interna- cional. Por essa razão, o tipo de ecocídio, repita-se, exige cuidado técnico para que não se reverta em abusos, desmandos e desvio de finalidade.

Nesse sentido, uma comissão internacional de 12 juristas, impulsionados pela sociedade civil, apresentou, em 2021, uma proposta de preceito normativo a ser introduzido no Estatuto de Roma: “Para os efeitos do presente Estatuto, entender-se-á por ecocídio qualquer ato ilícito ou arbitrário perpetrado com consciência de que existem grandes probabilidades de que cause danos graves que sejam extensos ou duradouros ao meio ambiente”.


Segundo a mesma comissão de juristas, “entender-se-á por ‘arbitrário’ o ato de imprudência temerária em relação a danos que seriam manifestamente excessivos em relação à vantagem social ou econômica que se preveja”.

O preceito proposto pela referida comissão aponta um caminho possível para os casos de conflitos armados. Sem dúvida, a abrupta opção pela guerra, sem o exaurimento das vias diplomáticas, poderá ser interpretada como um ato de imprudência temerária. Da mesma forma, as ações beligerantes, sem a prévia avaliação de impactos ambientais, de sua proporcionalidade, necessidade e adequação, hão de demonstrar que seus agentes assumiram os riscos de graves danos ambientais visando a alcançar seus objetivos bélicos.

Diante do contexto de emergência climática, com o risco real de desequilíbrio ambiental e perda da capacidade de resiliência do planeta, esse é um tema que os organismos internacionais (notadamente a Corte Penal Internacional) precisam urgentemente enfrentar. As ações de tutela do meio ambiente, de acordo com o atual Estatuto de Roma, ainda são muito tímidas no que diz respeito a condutas lesivas ao meio ambiente.


A comunidade internacional aparenta deixar o tema relegado ao segundo plano, sem qualquer efeito inibidor de condutas praticadas pelos líderes mundiais em situação de guerra. É passada a hora de analisar os conflitos internacionais também sob o viés da proteção e defesa do meio ambiente para melhor preveni-los e favorecer o diálogo.


Federico Aburachid (Advogado e Presidente da FULIBAN- Fundação Libanesa de Minas Gerais)

Patrícia Boson (Consultora em gestão ambiental e recursos hídricos)


Publicado pela Revista Ecológico, Edição 140, julho/agosto/2022, p. 38/39

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