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  • Foto do escritorFrederico Aburachid

BREVES REFLEXÕES SOBRE A VEDAÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL E SEUS LIMITES


A recente decisão sobre o Decreto 10.935/2022[1], proferida pelo Ministro Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, acendeu o debate sobre os limites do princípio da vedação do retrocesso socioambiental.

Aludido princípio visa à proteção do núcleo de direitos socioambientais, consagrados pela ordem jurídica e reconhecidos como conquistas pela sociedade. Está alicerçado, sobretudo, na proteção da dignidade do ser humano.

Significa dizer que o Estado deve, ao inovar na ordem jurídica, primar pela maximização de direitos e conquistas sociais, construindo, diante de certos sacrifícios, alternativas para a compensação e ampliação de benefícios.

Exige-se sempre um caminhar para frente nos direitos e conquistas sociais, obstando que a alternância democrática dos ocupantes do Poder Estatal os viole. Orientado por este princípio, o Poder Estatal deve exercer juízo de ponderação nas situações de conflito de direitos de mesma estatura constitucional, tendo como balizas a razoabilidade e a proporcionalidade nas inovações normativas e na construção de Políticas Públicas.

Nesse sentido, a legislação socioambiental não está engessada em um determinado grau de proteção. Pelo contrário. A evolução do conhecimento científico e tecnológico e a sucessão de eventos do mundo da vida propiciam, com frequência, mudanças na ordem jurídica, assim como ampliam a percepção das necessidades/possibilidades das pessoas.

Mudanças recentes na legislação brasileira, decorrentes de eventos da vida real, podem inclusive ser citados. A proteção de barragens de extração mineral ou potenciais hidrelétricos sofreu, por exemplo, significativa alteração após os episódios de Mariana e Brumadinho/MG.[2] Muito embora os empreendimentos estivessem presumidamente regulares perante o Poder Público na época dos fatos, já que eram licenciados, as alterações provaram-se necessárias.

Ao Estado não é permitido pecar, muito menos por rigor excessivo ou proteção insuficiente. As mudanças normativas ampliaram o rigor das obrigações sobre os empreendimentos e poderes públicos em favor de um ideal de segurança das pessoas e do meio ambiente.

Por outro lado, as alterações introduzidas pelo Código Florestal de 2012[3], no que tange às áreas de reserva legal e preservação permanente, trouxeram novas possibilidades de regularização antes inadmitidas. Muito se sustentou que a nova lei estaria promovendo retrocesso socioambiental. Aludidas alegações foram superadas pela decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC no 42/DF.

Aliás, como bem decidiu o Supremo Tribunal Federal na referida ação, sob a Relatoria do Ministro Luiz Fux, “o Princípio da vedação do retrocesso não se sobrepõe ao princípio democrático no afã de transferir ao Judiciário funções inerentes aos Poderes Legislativo e Executivo, nem justifica afastar arranjos legais mais eficientes para o desenvolvimento sustentável do país como um todo.”[4]

Há casos, na verdade, que não se verá retrocesso ambiental, mas mera adequação das normas, traduzindo uma obrigação aparentemente mais branda em favor do destinatário e sem prejuízos para a tutela ambiental. Diante de novas evidências trazidas pela Ciência, o legislador reduz o grau de precaução sobre empreendimentos, privilegiando outros direitos e garantias.

Por outro lado, haverá casos concretos de mitigação da proteção ambiental, sendo tolerada maior intervenção sobre os recursos naturais. Nessa hipótese, o retrocesso socioambiental, em sentido amplo, será admitido, mas sempre com limites e precedido de um juízo de ponderação em favor de outros benefícios para a sociedade.

Esse sacrifício socioambiental deverá ser sempre orientado pelas regras da proporcionalidade stricto sensu (ou seja, analisando-se o custo-benefício da medida restritiva) a adequação da via (a restrição é adequada, assim como a sua compensação) e a necessidade (o sacrifício é indispensável, não existindo outro meio de se alcançar o objetivo pretendido).

O princípio da vedação do retrocesso socioambiental não poderá jamais ser interpretado de forma rígida ou estanque. Sua proteção dirige-se ao núcleo essencial de direitos socioambientais e orienta a atuação estatal, exigindo que a as inovações normativas sejam razoáveis e proporcionais.

ABURACHID, Frederico José Gervasio. Breves reflexões sobre a vedação do retrocesso ambiental e seus limites. Belo Horizonte, 2022.


[1] Dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas no território nacional, incluindo cavernas, grutas, lapas, abismos e outros. [2] LEI No 14.066, DE 30 DE SETEMBRO DE 2020. Altera a Lei no 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), a Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei no 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). [3] BRASIL. Lei n.° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996; e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. [4] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADC 42.Relator: Ministro Luiz Fux. Disponível em<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProces soEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4961436>

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