O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado está previsto expressamente na Constituição da República de 1988, artigo 225.[1]O mesmo artigo, em seu §3o, estabelece que as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos.
Já a lei federal nº 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (PNMA, artigo 14, §1o).
Observe-se que a responsabilidade civil ambiental é “objetiva”. O dever de indenizar decorre simplesmente da atividade e de seu impacto no meio ambiente. Basta a demonstração do fato, nexo causal e dano. Não se discute a culpa.
Outra característica também aplicável à responsabilidade civil ambiental é a solidariedade entre todos os envolvidos na degradação. O artigo 3o da lei federal nº 6.938/81, define expressamente como “poluidor”, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora de degradação ambiental. Finalmente, consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, a pretensão de reparação civil por danos ambientais é imprescritível.[2]
As catástrofes recentes envolvendo a mineração mantem acesas as discussões sobre o alcance dessa prefalada responsabilidade civil.
A despeito dos trágicos eventos envolvendo a mineração, não se pode ignorar aspectos que lhe são próprios. O primeiro deles é que se trata de uma atividade reconhecida como de utilidade pública/interesse social. Além de ser propulsora da economia nacional, respondendo de forma significativa pelos resultados da balança comercial, proporciona desenvolvimento científico, tecnológico e industrial.
Dentre as suas “particularidades”, a mineração tem rigidez locacional e a propriedade dos recursos minerais é da União (CR/88, art. 20). O empreendedor não possui livre manifestação de vontade para escolher o local que desenvolverá a extração mineral, assim como não adquire a propriedade do minério no subsolo.
A atividade e autorização para a lavra estarão sempre atreladas aos planos de extração de longo prazo, sob pena de configurar a sua inviabilidade econômica. Devem ser apresentados projetos de recuperação de áreas degradadas, plano de aproveitamento econômico, licenciamento ambiental, dentre outras exigências procedimentais para a sua autorização.
Exige-se do empreendedor, mesmo após todos os investimentos para a mitigação de impactos, a instalação de equipamentos urbanos, pagamentos de royalties, tributos e outras compensações legais.
À toda evidência, todas essas características e particularidades não reduzem um milímetro a responsabilidade civil do minerador. Não obstante, é de se indagar sobre o seu compartilhamento com todos os demais atores, como, por exemplo, a União.
Uma vez que a União é titular dos recursos minerais, assim como é o ente responsável pela concessão da autorização de exploração, estaria também sujeita à responsabilidade civil objetiva pelos danos ambientais?
A solidariedade na responsabilidade civil ambiental alcança sucessores e sucedidos, mas também aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para o impacto negativo e o dano ambiental concreto, mesmo quando se tratar de pessoa jurídica de direito público. No caso da mineração, a sequência de atores e partícipes é consideravelmente grande.
Nesse sentido, não pode existir dúvida de que a União participa com o empreendedor privado e outros atores, nos resultados dessa atividade, já que titular dos recursos minerais. Depreende-se da leitura dos dispositivos legais, pois, que deverá ser responsabilizada solidariamente pelos passivos causados, sem prejuízo de eventual direito de regresso contra os demais agentes.
É certo que os Estados, municípios e coletividades diretamente impactadas com a atividade minerária não poderão depender exclusivamente da solvência do minerador. Quando se está diante de um empreendedor com grande capacidade econômico-financeira, tais aspectos da responsabilidade civil são obviamente esquecidos. Todavia, nem sempre esse é o retrato da realidade.
Em muitas situações, os passivos ambientais perduram por décadas como consequência do abandono, irregularidades ou da falência de empresas. Em tais hipóteses, ressalvada a análise de cada caso concreto, não sobrará alternativa aos lesados, salvo acionar a entidade que autorizou a atividade e era a única proprietária dos recursos minerais.
*Frederico José Gervasio Aburachid é Advogado. Especialista em Direito Ambiental. Mestre em Direito (UFMG) e em Sustentabilidade socioeconômica ambiental (UFOP).
ABURACHID, Frederico José Gervasio. Breves reflexões sobre a responsabilidade civil por danos ambientais minerários. Belo Horizonte, 2022.
[1]“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” [2]O plenário virtual do STF fixou por 7 votos a 0, a tese proposta pelo Ministro relator Alexandre de Moraes: "É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental". RE 654833.